De norte a sul, a geografia e a identidade portuguesa estão moldadas pela presença do mar. Essa relação secular, que já inspirou viagens, comércio e cultura, começa agora a abrir espaço para uma nova experiência vínica — não nas caves tradicionais, mas no repouso silencioso de garrafas submersas. O fenómeno dos vinhos aquáticos, ou vinhos submersos, promete mexer com a enologia e abrir novos horizontes ao enoturismo.

O que são vinhos submersos?

São vinhos que, em vez de envelhecerem em caves, passam meses ou anos debaixo de água — seja no mar, em rios, barragens ou minas inundadas. No fundo, encontram um ambiente de maturação muito particular: pressão elevada, ausência de luz, temperatura estável e, no caso do oceano, o movimento constante das correntes.

Apesar de a técnica estar a ganhar popularidade nos últimos anos, o fascínio pelo envelhecimento subaquático ganhou notoriedade após um episódio marcante. Em 2010, mergulhadores descobriram, no mar Báltico, os destroços de um navio com 168 garrafas de champanhe, intactas após mais de um século. O especialista da casa Veuve Clicquot, Dominique Demarville, provou e estudou o conteúdo, constatando que o espumante estava em perfeito estado e exibia notas sensoriais únicas, fruto das condições extremas do fundo do mar.

O olhar científico

Na conferência científica “Segredos Submersos: o Enigma dos Vinhos Subaquáticos”, que teve lugar em Sines, no primeiro evento nacional dedicado ao tema: o Subaquatic Wine Tourism Experience duas especialistas da Universidade de Évora trouxeram dados e reflexões importantes.

Cristina Barrocas Dias, professora doutorada do Departamento de Química, explicou que o vinho é “um ser vivo, que está constantemente em evolução”.

E acrescentou: “A temperatura, a luz e a profundidade em que o vinho está submerso provocam alterações naturais, seja a nível de cor, de adstringência ou do próprio envelhecimento.”

Já Maria João Cabrita, professora doutorada em Ciências Agrárias, propôs um novo conceito que pode marcar a discussão futura: “Se em terra falamos de terroir, no mar podemos falar de ‘marroir’.”

A metáfora foi alargada ao meio subaquático em geral: “As variações são tantas, como a pressão, ausência de luz, temperatura, tipo de rolha, agitação da água, que não existe ainda uma explicação única. Cada local e cada profundidade geram condições distintas de evolução.”

O que revelaram as provas?

Durante o evento, realizou-se a primeira prova comparativa Terra vs. Mar feita em Portugal, onde foram degustados brancos, rosés, tintos — e até ginja e rum — envelhecidos sob a água durante períodos que variaram entre 12 e 15 meses.

A prova onde foram degustados brancos, rosés, tintos — e até ginja e rum — envelhecidos sob a água durante períodos que variaram entre 12 e 15 meses ajudou a comparar caraterísticas de vinhos envelhecidos no mar e em terra.

A experiência permitiu comparar, de forma direta, a evolução de vinhos maturados no mar e em terra firme, mas os especialistas concordam que é cedo para estabelecer conclusões definitivas.

  • Brancos mostraram alterações mais pronunciadas nos aromas e sabores.
  • Tintos mais complexos também apresentaram diferenças notáveis.
  • Vinhos estruturados e de qualidade superior tendem a evoluir melhor.
  • Alguns tornaram-se mais macios e redondos; outros mantiveram-se praticamente inalterados.

Para o sommelier Rodolfo Tristão:

“Nem sempre vinhos [submersos] ficam macios. Alguns ficam até com maior acidez” e acrescenta, numa analogia bem-humorada: “Os vinhos são como as pessoas: às vezes é preciso ter mais um pouco de paciência com elas.”

Moda ou tendência duradoura?

Se o “marroir” se afirmar no vocabulário dos enófilos, Portugal — com a sua extensa costa e séculos de tradição vinícola — pode estar na linha da frente desta nova vaga. Até lá, a prova é clara: o vinho, tal como o mar, continua a guardar segredos nas profundezas.

Quer saber mais?

Leia o artigo completo de Maria João de Almeida com todas as citações, reflexões e detalhes do evento: Enoturismo subaquático e vinhos Submersos: Moda passageira ou nova tendência?

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